No âmbito da fisioterapia músculo-esquelética uma questão existente diz respeito aos tratamentos “receita de bolo”, nos quais uma conduta (ou série de condutas) é aplicada indiscriminadamente em uma determinada lesão ou dor, e aos tratamentos mais sofisticados, onde o fisioterapeuta deve realizar uma avaliação minuciosa para estabelecer seus objetivos e condutas.
Raramente, porém, esse tema é posto no papel e publicado em jornais científicos.
Sempre fui ensinado a utilizar o raciocínio clínico baseado numa avaliação dos indivíduos. Ainda assim, percebia que certos lugares tinham uma tendência a realizar tratamentos mais próximos do lado “receita de bolo”.
Há alguns anos atrás eu encontrei esse interessante artigo, publicado no jornal “Physical Therapy in Sport” em 2002, que relatou uma pesquisa realizada juntamente a diversos serviços de fisioterapia britânicos. Nessa pesquisa, feita através de entrevistas com fisioterapeutas, o objetivo era verificar a vivência destes em tratar atletas de elite.
Embora diversos aspectos da experiência desses profissionais, como o perfil dos atletas atendidos, expectativas em relação à profissão e outros tenham sido relatados, um deles se destacou por ser inerentemente ligado à profissão da fisioterapia músculo-esquelética como um todo (e não apenas relacionada à fisioterapia esportiva ou o tratamento de atletas). E estava diretamente relacionada à dicotomia entre a fisioterapia “receita de bolo” e a fisioterapia “sofisticada”. No artigo, era feita a comparação entre tratamento “de serviço”, que seria uma variação do tratamento "receita de bolo", e fisioterapia “verdadeira”, onde o raciocínio clínico é primordial.
Nessa pesquisa, para alguns dos fisioterapeutas entrevistados, tratar de atletas de elite era uma forma de exercer a fisioterapia “verdadeira”, como se dissessem “é para isso que eu fui preparado!”, em contraste à fisioterapia de “serviço”, que acontece com base no tratamento que o atleta pede ou exige que seja feito.
Na fisioterapia “verdadeira” os fisioterapeutas atuavam como detetives, estabelecendo uma idéia da causa da lesão e, a partir daí, buscando encontrar as soluções adequadas. Com base nisso, esses profissionais se focavam em desenvolver seu conhecimento a respeito dos atletas, esportes e dos tratamentos. Esses fisioterapeutas eram procurados pelos atletas para resolverem as condições de longa duração ou problemas considerados mais sérios.
O tratamento de “serviço”, por outro lado, fazia com que fosse exigido dos fisioterapeutas um “serviço”. Uma situação exemplo seria aquela na qual o atleta chegava ao local onde seria atendido pedindo que fosse realizada uma massagem, aplicado um ultra-som, ou coisas semelhantes. Ou seja, não havia um raciocínio embasando a conduta, e sim o que era exigido. Nessa situação, os fisioterapeutas se sentiam desvalorizados em sua atuação, assim como sentiam que tanto aquilo que a fisioterapia e o que os fisioterapeutas poderiam fazer era desvalorizado.
Na fisioterapia “verdadeira” os fisioterapeutas eram uma força de mudança, enquanto no tratamento de “serviço” apenas executavam “um procedimento”.
Fisioterapia “verdadeira”
- Fisioterapeuta atua como detetive
- “é para isso que fui preparado!”
- encontrar a causa e busca soluções
Fisioterapia de “serviço”
- fisioterapeuta realiza um “serviço”
- fisioterapeuta se sentia desvalorizado
- aplicava-se o procedimento pedido pelo atleta
Para fins didáticos, como exemplo vou citar o caso de uma dor na coluna lombar. Pois bem, uma pessoa procura um serviço de fisioterapia para tratamento de uma dor nas costas. Dores nas costas podem ter diversas causas, podendo ter origens em uma (ou mais) lesão(ões) específica(s) (Hérnia de Disco, Artrose, Espondilolistese, etc), e/ou em uma, ou mais, condição(ões) específica(s) (falta de força muscular, mal posicionamento vertebral, erros de movimento, má postura, etc). Qual a melhor linha de tratamento? O que fazer?
De acordo com a fisioterapia "de verdade", a resposta seria: avaliar, descobrir aquilo que precisa ser corrigido e então corrigir.
Se fôssemos utilizar a fisioterapia "de serviço" ou receita de bolo, o melhor a fazer (ou o exigido pelo atleta, no caso do artigo) seria "uma massagem", ou "o TENS", ou "alongamentos"... sem discriminação daquilo que está realmente causando a dor... (*)
Essa discussão pode se estender por diversos argumentos, mas eu acho que ela se resume à diferença entre entender aquilo que realmente acontece no corpo de uma pessoa e realizar os procedimentos necessários para corrigir ou melhorar a atividade desse corpo (ou seja, o que os fisioterapeutas "de verdade" fazem), e em aplicar procedimentos porque alguém disse que é assim (tratamento "de serviço" ou "receita de bolo").
Acredito que é para isso que nos formamos como fisioterapeutas: para entender o funcionamento do corpo de uma pessoa, e realizar o necessário para que esse corpo funcione da melhor maneira que pode, em benefício da saúde e do bem estar integral do indivíduo.
Comente e nos diga o que achou desse artigo.
(*) não estou desmerecendo ou diminuindo o valor dessas condutas. Todas elas poderiam fazer parte de um eficaz programa de tratamento quando utilizadas por um fisioterapeuta que realizasse uma fisioterapia "de verdade".
Referências Bibliográficas:
MCKENNA J et al – Physiotherapists’ lived experience of rehabilitating elite athletes – Physical therapy in sport – v.3, 2002.
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